Não lembro mais que horas eram, mas creio que eu voltava já
próximo ao meio dia do mirante da rocinha, não havia comido nada pela manhã em função do quase
exagero na noite anterior.
O retorno não fora diferente nas condições do caminho. Somente
bem depois descobri que poderia ter encurtado um bom trecho se pegasse mais 28
quilômetros de estradas de chão até Cambará. Mas ressabiado, creio que não iria
apostar em condições melhores. Preferi dar um alívio para a suspensão do carro
e para minha coluna pegando trecho maior de asfalto. Por pouco tempo seria, mas valeu o descanso.
Parei numa sombra, o sol brilhando. Fui pra caixa de isopor
e assaltei duas maçãs e mais duas bananas, nem lembrava de um pacotinho de
amendoim, veio ele também. Tinha água à vontade e desse jeito voltei almoçando
sem me preocupar com o horário.
Eu tinha uma informação errada. Achava que o cânion do
Itaimbezinho pertencia ao município catarinense de Praia Grande. Equivocado, eu
só descobri lá, que na verdade ele é gaúcho, embora sejam as bordas a linha
divisória, abrindo espaço para essas duas cidades terem leque de atrações
turísticas no entorno dele. O Parque Nacional Aparados da Serra, na parte de
cima, porém, fica dentro dos limites de Cambará do Sul, RS.
Rodei um bom trecho por asfalto, olhei a hora depois de um
tempo, já passava das 14. Faltava uma boa parte do trajeto e como tinha
condições, abri mais petróleo para os 3 pistões trabalharem mais rápido.
Em menos tempo do que imaginava, uma grande placa
em direção à Praia Grande me mandou entrar dessa vez à esquerda, se quisesse
mesmo ir ao cânion. Obedeci.
Mais uns 14 quilômetros e fui deslocado para estrada de
chão. Pedi referência aos satélites. Restavam ainda 15 mil metros até meu
destino. À essa altura eu já estava cortando outras fazendas, estradas de
roça literalmente, bem estreitas, mais ou menos no estilo daquelas que peguei pela manhã.
Tá mas e as fotos da estrada assim tão ruins? Bom, a gente fica tão tenso e concentrado que pouco pensa em parar pra fazer foto. Em alguns trechos filmei, então aparece em parte nos vídeos.
Um carro sedã mais luxuoso seguia na minha frente, tinha o
mesmo interesse que o meu. Até chegar em um rio. Água vermelho escura, barrenta
depois da trovoada. Subiu muito durante a noite, passou por cima da ponte, mas
já havia descido, deixando um acúmulo considerável sobre ela, num desnível
entre a cabeceira e a continuação da estrada. Era um honda city muito bonito, parecia
novinho. Parou me abrindo passagem.
Olhei a ponte, comparei com a estrada. Vi que para frente
ela estava bem molhada, pelos pneus que já haviam cruzado a água e deixavam ela
escorrer no barro adiante.
“Carquemo”, disse depois de alguns segundos. Lembrei dessa expressão que usávamos nas
andanças de bike, eu e meus amigos, dois deles já falecidos! Se foram cheios de
sonhos! Novos!...
Embiquei o carro e fui numa primeira bem firme. Estava rasa.
Era só impressão de que não passava. Assim desembestou o carro prata atrás de
mim.
Logo caí numa geral, mais larga permitiu uma terceira no
máximo, rebaixando logo depois de alguns pulos. Malditas pedras altas, as
menores redondas e soltas também.
Passava das 15 horas. Cheguei numa espécie de guarita. Fui abordado
por uma mulher.
Moço, não estamos cobrando entrada, mas se quiseres na volta,
deixar alguma doação, será bem vinda para a manutenção do parque.
Tudo bem, respondi, deixo sim. E deixei mais do que pensava,
depois de conversar com uma outra mulher monitora.
Um estacionamento quase cheio me mostrou um lugar muito
visitado. Passei olhando as placas, gente de vários estados, SP, RJ, MG, PR, SC
e RS. Carros grandes e pequenos como o meu, jeeps, camionetas, motos. Quem sabe um dia me atrevo a pilotar uma.
Sol quente, já estou acostumado a não esquecer que preciso
de protetor. Me ajeitei, coloquei meu boné, peguei a câmera e o celular. Em pouco
estava na sede percorrendo a trilha do vértice. Antes passei por duas pessoas
que recebiam os visitantes.
Simpáticos, uma mulher e um homem, disseram que eu poderia estar à vontade, mas não teria autorização para descer a trilha do cotovelo, pois fechava às 15. Eram 15:30. Está bem
eu disse, sabendo que essa seria muito interessante e a mais procurada. Teria chegado
antes se imaginasse. Só soube disso ali.
Logo percorri as bordas, uma parte delas. Alguns mirantes te
colocavam de frente com os paredões. Novamente as andorinhas, o barulho da
água, aquele vale em forma de V, profundo, indo lá embaixo. Garganta aberta
ele tinha, nenhuma nuvem. Acima uma trovoada de verão
já tinha se anunciado com um trovão. Muito quente. Bastante gente na trilha.
Os cânions são formações naturais, encontrados em boa parte
do mundo. O mais famoso fica nos EUA. Sei que chegarei lá um dia para vê-lo, o
Grand Canyon. Milenares formações. Paisagem curiosa do nosso relevo. Moldada por
agentes naturais endógenos e exógenos. Esse soerguimento da crosta. Misterioso
e lindo.
Água na parte externa é um dos agentes modeladores. "Tanto bate até que fura". É por aí. Ela
abre caminhos entre as rochas, vai diluindo aos pouquinhos, moldando. Algo interno
contribui. A pressão e o movimento das placas tectônicas, empurram as rochas,
dando uma configuração variadíssima nas paisagens, formando montanhas, abrindo
espaço para cânions, depressões e as impressionantes cordilheiras, os temidos, mas não menos atraentes vulcões.
A história foi minha primeira formação superior. Mas a
geografia me conquistou! Junto sempre as duas, e não me vejo em outra atividade profissional, embora tenha tentado com pouco êxito, uma outra atividade.
Uma chuvarada rápida começou a cair. Escondi minha câmera
debaixo da camisa e me abriguei sob as árvores, menos de 5 minutos, sol de
novo.
Andei mais um pouco. Cheguei perto da sede, num local
bonito, cheio de árvores e sombra. Alguns puxavam de lanches e água retirados
de mochilas. Voltavam da trilha maior certamente. Uns em pé e outros procuravam
uma das mesas com bancos que não estivessem podres. Uma imagem interessante,
registrei pois isso devolve pra gente a consciência de que tudo está, nada é. Faz
parte da vida.
Por outro lado, notei certo abandono.
Tomei uma água e fui voltando, vi o suficiente ali. Já perto
da saída ao estacionamento, uma pequena estradinha descia e uma ponte cruzava o
rio da cachoeira grande. Uma monitora do parque gritava: gente, não pode
passar, voltem, essa trilha fecha às 3 horas, não pode ir! Já disse antes, não pode ir!
Parei, esperei ela olhar pra mim.
Boa tarde moça, o jeitinho
brasileiro não é? Sim, disse ela, olha... Disseram que só iam até na ponte, já
estão cruzando e dois sumiram pela trilha.
Que coisa, como pode em geral o brasileiro ter essa cultura
de querer fazer o que já não pode mais. É o jeitinho de levar vantagem, de
querer se dar bem de qualquer forma, não importa se não é permitido. Querem fazer
do mesmo jeito. Nos falta a cultura europeia, japonesa ou estadunidense. Não pode,
pronto. Não se questiona, se respeita.
Acabamos conversando um pouco. Ela estava desanimada. Perguntei
sobre o parque.
Moço, tu só pôde entrar aqui hoje porque nós formamos um
grupo de voluntários e abrimos o parque, cuidamos e recebemos as pessoas. Indaguei curioso sobre os motivos.
Me respondeu que o governo federal, em outubro de 2016,
mandou fechar tudo. Demitiu os funcionários terceirizados. Era pra fechar o
parque. Fiquei espantado.
É, eu ganhei a conta e meu marido que era guia aqui também. Então
formamos um grupo, conseguimos liberação para abrir de forma voluntária. Daí pedimos
uma contribuição espontânea dos visitantes, para manter sabe, senão estava
fechado, não poderia entrar.
Saí de lá meio triste por saber disso. Deixei com satisfação
dez reais na portaria. Voltava pensativo.
Por que fazem isso? O que leva pessoas que ocupam cargos públicos principalmente,
a quererem ser deuses do dinheiro. Se regozijam na ostentação do ter. Roubam,
desviam, outros puxam o saco para poder fazer a mesma coisa assim que puderem.
O que teriam eles
para falar eu penso! O que teriam para falar de educativo, de bom, que história
poderão um dia contar para os seus, se o que ocupa suas cabeças são as tramoias,
as falcatruas os conchavos interesseiros, o luxo desmedido.
Lindo e rico país nós temos. Invejado pelo mundo. Mas no
geral, pobre em ética administrativa.
Desse jeito saí do parque. Iria logo tomar mais pancada descendo
ao litoral para dormir em Torres, RS.
Anos querendo ver as falésias. Conseguiria
na manhã seguinte!
Continuação, parte VI, falésias em Torres.
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