domingo, 29 de janeiro de 2017

Viajar para aprender - parte final - Roteiro de Cicloturismo Vale Europeu



     Não eram 9 da manhã eu estava cortando caminhos pelo interior de Blumenau até Pomerode. Meu objetivo era percorrer uma boa parte da rota do Cicloturismo Vale Europeu. Para conhecer apenas, pois estava de carro. Ia no sentido inverso, ficando um pouco difícil de eu me guiar pelas sinalizações que existem no caminho. Orientam os ciclistas que buscam algo diferente, pelos 300 quilômetros entorno de vários municípios do Vale, subindo e descendo serras, margeando rios, vislumbrando arquitetura antiga colonial, lagos e represas... A rota toda, de bicicleta, leva sete dias para ser percorrida. Com paradas estratégicas.

     Era um sábado, chuviscava. Em Pomerode, no centro de informações turísticas, colocaram em minhas mãos um folder informativo sobre a rota, com um mapa. Eu sabia que na verdade a rota inicia em Timbó. Pomerode seria o início pra mim e só depois cruzaria Timbó.
Casa do imigrante Carl Weege, Pomerode.

     Recebi alguma orientação de como pegar os caminhos pelo interior, fugindo geralmente das rodovias que interligam essas cidades.
     Na verdade eu já conhecia uma parte do trajeto de passeios anteriores. E para nós que somos da região, a paisagem em termos de colônia é bem conhecida. Mas há muita coisa bonita que se vê pelo caminho. As montanhas, os vales e rios. Casas antigas isoladas, meio abandonadas com madeiras ressecadas pelo sol de décadas! Formam junto às pastagens com velhas árvores testemunhas, algo bonito de se ver!
Em algum momento pelo caminho

     Bastante arquitetura enxaimel, marca da cultura alemã. Bastante registro da cultura italiana também. As duas predominantes em todo o sul do Brasil.
     Subi muito em direção aos lagos em Altos Cedros, já em terras do município de Rio dos Cedros. Parte alta da região, na casa dos 600 a 700 metros de altitude. Muito bonito!
     Quando me impressionei com a visão, mesmo em dia nublado, parei. Saí do carro para fazer umas fotos e alguns pingos maiores de chuva me apressaram.

     Quando voltei para entrar no carro, notei a aproximação de um senhor já bem idoso, vinha de sua linda casa logo ao lado da estrada.
     Cumprimentei acenando com a mão. Ele vinha em minha direção.
     Bom dia jovem! E esperou que eu falasse algo.
     Bom dia! Que bonita essa região, o senhor mora aqui?
    Sim, me apontou a casa, passo férias! Você está no centro de Altos Cedros, ele me disse. Explicou que todo aquele lago bonito fazia parte de uma represa que acumulava água para geração de eletricidade, distribuída na região.
    Muitas casas bonitas, paisagem realmente de encher os olhos. Gente que mora, mas poucos. A maioria construiu essas casas para buscar o descanso na montanha, o silêncio, a natureza.

     Fomos conversando na garoa mesmo. Descobri que estava falando com um pastor evangélico aposentado, de 85 anos de idade! Trabalhou por décadas em Timbó disse ele! Quis saber sobre minha descendência. Quando falei afirmou conhecer algumas pessoas com o meu sobrenome, provavelmente parentes próximos.
    Comentei com ele minha intenção de chegar em Doutor Pedrinho.

     Olha - desviou olhar para o meu automóvel - não sei se tu passa num dia como hoje! Mas é indo em frente. Segue por essa estrada, vai indo. Você chegará numa encruzilhada onde existe uma pedra branca. Lá pegue à esquerda, vai sair no seu destino. Pedra branca? Pensei comigo...
     Mal acabou de falar e a chuva apertou. Nos despedimos e embarquei. Teria ficado mais ali. Certamente um ser humano que muito tem a contribuir com seus diálogos.

     Toquei em frente, mas estava um pouco longe ainda. Na verdade não tinha prestado bem atenção quando o pastor falou sobre “não sei se tu passa”...
     Logo cheguei numa vila, parei ao lado de um bar verde onde dois homens estavam encostados tomando uma cerveja.
    Cumprimentei e pedi se podiam me ajudar com uma informação. Após me confirmarem as coordenadas, um deles olhou meu carrinho e fez eu ficar meio cabreiro.
      Se eles acabaram de colocar macadame (cascalho) tu passa, mas hoje nesse molhado!...
Passa, passa, disse o outro homem.
Pelo sim pelo não, “carquei”.

     Fui subindo, cheguei na pedra branca, caí para a esquerda e acabaram os atrativos na paisagem. Me encontrava na rota certa, era por ali mesmo, já havia encontrado alguns ciclistas que desciam. Mas eu estava em estrada estreita, bem molhada, em meio ao mato. Mato fechado, intercalado com plantações de eucalipto e pinus.
     Vez por outra não tinha cascalho, comecei a encontrar bastante lama, mas rasa, estrada firme. Passei bem perto de penhascos novamente. Não se ouvia nada além de pássaros, uma araponga insistente, o barulho da chuva  e um vento leve. Não sei que horas eram e não tinha fome também.
Há alguns quilômetros não via casa nenhuma, só mato. Vez por outra um ciclista. Mas há um bom tempo eles não passavam mais.

     É tão longe assim?  Me perguntei. A lama aumentando. Depois de uma descida apareceu um riacho para cruzar, nada de ponte. Era por dentro mesmo. Raso, mas  a água já corria rápido com a chuva.
     Nesse momento comecei a ficar um pouco preocupado, pois se a chuva aumentasse e tivesse mais riacho para cruzar, algum deles poderia ter água à mais e eu não conseguir passar. Nisso deu um trovão, escureceu o céu e debulhou água.
    Devo ter ficado meio arregalado. Toquei um pouco mais rápido quando podia, já estava ficando com medo de permanecer trancado por ali em função das estradas. Mas em nenhum momento me arrependi. Era isso que estava procurando e não havia nada a reclamar.

     Sobe de novo, mais pressão nos cilindros do motorzinho. Não imaginava que bem no final desse meu passeio de uma semana, estaria o trecho que iria colocar maior proximidade de uma "aventura". 
    Desci avistando lá na frente algo complicado. Vi um trecho de uns 20 metros bem feio. Poças grandes, barro acumulado, rastros fundos de quem já tinha passado ali meio apurado. Parei. E agora?
Agora deu, percorreu um frio na barriga. O motor na lenta esperava. "E agora piá véio"?...

     Em segundos decidi, não tinha o que fazer e voltar eu não ia. Queria terminar o trecho e só voltaria se fosse obrigado. Teimei.
     Engatei a primeira, procurei a melhor posição para o carro, cutuquei o motor em rotação alta e fui, cuidando para ele não sair pra lateral, não se atravessar, se amarrou... baixou rotação, queria apanhar, larguei o pé no fundo, apertei mais o motor e voava barro pra todo lado. Quis sair do trilho, se jogar pra lateral esquece. Não para eu dizia, se parar acabou. Foi, foi, foi indo, nas últimas eu passei. Caramba! Show! Tá valendo, vamos em frente! Preciso de um jipe.

     Chuva forte, passei uma poça enorme de água, foi lavando o barro. Achei que seria isso.
Não deu um quilômetro outro rio. Dessa vez com mais água! Acho que devo ter ficado branco. E não tinha ninguém por perto. Calculei mais ou menos, julguei ser raso, mas a água estava suja.
     Primeira de novo e pé no bucho. Se ficar dentro do rio é um abraço pro gaiteiro. Não acreditei estar fazendo isso com um carro simples de rua. Embiquei e fui. Acertei, era raso. Depois de umas chacoalhadas estava fora. Poderia ter me custado caro, mas eu estava arriscando.
    Meus batimentos acelerados. Agora eu estava realmente com medo de ter entrado numa má escolha. Era tarde pra pensar nisso! É pra frente nego!
     
     Por sorte rios não tinha mais, somente alguns trechos de barro que passei meio de lado novamente.
    Depois de um reflorestamento, encontrei um grupo de 5 ciclistas. Estavam vindo devagar, andando. Mortos de cansados. Parei e conversamos um pouco. À essa altura a estrada já estava um asfalto!
Lá na frente os ciclistas
      Disseram que eu já estava perto da estrada geral. Mas em obras, tinha locais complicados com a chuva. 
     Então se preparem coloquei. Não sei como passei vindo daqui agora!
     Um homem e 4 garotas faziam o roteiro. Ele de São Paulo, uma mulher que deveria ser sua esposa também. Uma de RJ, e pelo que lembro outra de Niterói. Nos despedimos.
    Em mais uns 40 minutos eu estava no centro de Doutor Pedrinho, tendo passado por estrada em obras de asfaltamento, mas firme, então ia bem.
    Passei, mas que deu um medo de ficar encalhado deu.

     Logo seguia rumo Benedito Novo. As paisagens se repetiam surgindo uma ou outra coisa nova pelo caminho. Cruzei Timbó e vim por dentro até Rodeio, um caminho já conhecido.
    Era o fim de uma semana que pude me proporcionar. De algo diferente, que gosto de fazer. Logo chegaria em casa contente.
     
     Foram 2500 quilômetros. Muitas coisas aprendi, pude ver, e isso você não esquece mais.
    Naturalmente nem tudo é como tu imagina, como fora minha noite em Porto Alegre. Mas faz parte! Por outro lado, outras coisas podem ser mais do que a expectativa!

São momentos que valem muito a pena viver, para expandir nossos horizontes!

Viajar para aprender, parte VII - Museu do Mar na cidade mais antiga de SC



     Observei a quantidade de combustível. Menos de meio tanque. Optei por seguir até a reserva, deixando para abastecer bem pra frente, já adiantado no litoral catarinense, onde os preços seriam um pouco menores. No RS estava assustado com o que cobravam pela gasolina aditivada. Em Santa Maria, paguei 4,29 reais o litro! Ainda bem que a média de consumo do meu veículo é ótima, senão só o petróleo te consome boa parte do orçamento numa viagem um pouco maior.
     450 km era o que eu tinha que andar até São Francisco do Sul. Faltaria apenas uma cidade, um pouco mais adiante, para eu percorrer de ponta a ponta a nossa faixa litorânea. Itapoá.
     
     Em 5 horas eu estava em São Chico, a cidade mais antiga de SC e uma das primeiras a receberem povoamento no Brasil.
     O início da colonização data de 1658, por Manoel Lourenço de Andrade. Então na parte antiga você encontra um patrimônio arquitetônico bem diferente, arquitetura portuguesa da época colonial. Destaca-se aí a Igreja, com 350 anos, o mercado público e outros ambientes. Em condições boas de conservação.
     São Francisco movimenta uma boa quantidade de mercadorias, que chegam e saem através de seu porto. Um dos principais de SC. Está numa região muito boa para ancoragem de navios, conhecida como Bahia de Babitonga. Foz do rio Palmital com o encontro do mar.
     
     Curiosamente, foram os franceses que deixaram os primeiros registros de terem aportado em terras catarinenses. Isso em 1504, onde Binot Palmier de Gonneville, um capitão francês, descobriu nesse local, boas condições de aportar e reparar seus navios, depois de avarias em tempestades de alto mar. Na época esses homens passavam meses e até anos em navegações de exploração. Era o século XVI, época das grandes navegações. América recém descoberta. Muitos se lançavam ao mar para descobrir ainda mais.

     Esses franceses além de reparar os navios, acharam boas condições de água potável, alimento e tiveram amistoso contato com os índios carijós, que ocupavam o nosso litoral. Ficaram várias semanas segundo o que consta na história. Quando seguiram viagem, dizem que um índio os acompanhou e nunca mais retornou, depois de ter casado na França.

    Queria conhecer o Museu Nacional do Mar. Local bem organizado. Nos apresenta logo na chegada a história dos barcos baleeiros, responsáveis por trazer à morte milhares de baleias, destinadas a produção de óleo, utilizado para as mais diversas finalidades, entre elas a iluminação. 
     Pode-se dizer que foi a primeira atividade industrial do nosso estado, como fora em outros lugares também.

         Li uma história triste. Esses caçadores, tornaram-se especialistas em atrair os filhotes das baleias, e mantê-los de certa forma presos. A mãe vinha para defender o filhote. E era recebida por todos os lados com arpões e outras armas afiadas. À deixavam na exaustão. Depois terminavam de matar.  Fatos que se repetiam pelo litoral do mundo todo praticamente, levando a população mundial das baleias, próximo da extinção.
     Embarcações de épocas diferentes, lugares diferentes. Várias regiões do Brasil. Uma atração interessantíssima. Mas não tenha muita pressa, passe com calma pelas galerias e leia alguma coisa.

     Amyr Klink tem uma sala especial, mas em virtude de reorganização e reparos, não pude ver.  Algo sobre sua trajetória acaba sendo encontrada em outro ambiente. Pessoa singular, pelo que já pôde fazer em termos de viagens e explorações. Entre elas, a volta completa em torno do polo sul, nos 360º, em solitário, a bordo do seu veleiro Paratii. Obviamente que quando vi o relato dessa aventura - no livro Mar sem Fim -  disponível para venda, tratei logo de adquirir. Recomendadíssimo. Inspirador. Informativo.

     Pude passear pelo lugar, caminhar um pouco pelo centro histórico. Visitar a igreja. Aproveitei para fazer um lanche no mercado público. Comprei um dente de tubarão para o Heitor numa banca! Verdadeiro, o casal que vendeu me garantiu que procede da costa africana.

     Julguei que havia feito o que queria. Caminhei para onde deixei o carro. Pensava em voltar para casa dali. Encerrando a semana na estrada.
    Voltava com chuva. Estava bem cansado. Passei por Jaraguá do Sul perto das 20 horas. Era caminho em direção a Blumenau, onde mora minha tia lili.

     Cheguei para tomar um café pensando em continuar depois. Não me deixaram. Os tios estavam certos. Era melhor eu dormir ali, descansar e ir no outro dia.
    Assim eu fiz. Durante a noite mudei meus planos, colocando outro destino para o dia seguinte. Queria conhecer ao menos um pouco, a rota ciclística Vale Europeu.
    Este seria o último trecho de surpresas depois de quase encalhar no meio do mato.

Continuação, parte final.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Viajar para aprender, parte VI - Impressões sobre as FALÉSIAS EM TORRES RS



     Voltando em parte pelo mesmo caminho, o mapa me indicava a estrada até Torres. Era final de tarde, tinha pouco mais de 90 km para percorrer. Nenhum problema para chegar em dia claro ainda.
    O GPS sugeriu a rota mais curta, aceitei cair para a esquerda, num trajeto que iria descer um desnível mais ou menos de uns 800 metros em direção a Mampituba, nas proximidades de Praia Grande, SC. 
     Confio no meu aparelho e embora tivesse um mapa rodoviário, não consultei. Lá no parque um senhor já havia me dito que se quisesse ir ao litoral, o melhor era descer a Serra Geral por essa estrada de chão, muito mais perto. Do contrário a volta seria bem maior.
    Chão por chão, pedra por pedra, já estava quase acostumado. Mais um pouco não faria diferença. Ingênuo, não sabia eu que estaria à caminho para uma serra, que ao meu ver, não perde em nada para a do Corvo Branco, por onde passei em anos anteriores. Com trechos até mais complicados.

    Em pouco tempo saí da geral que levava à Cambará. Caí para a esquerda e fui tocando normalmente.
    Viajar sozinho foi a minha primeira experiência. Embora praticamente nada fiz até agora do que sonho, humildemente, em realizar. 
    Nas outras vezes fui acompanhado, sendo em 3 passeios, um deles até o Pacífico, meu pai estava ao lado. Estranhei um pouco. Mas me sentia bem. Estava contente. Poderia ir onde quisesse. Do meu jeito, embora o pai sempre topou tudo, sem nenhuma frescura.

    Descobri que fazendo uma viagem, mesmo que curta como essa, de apenas 2500 km, sozinho, te permite uma boa conversa consigo mesmo. Exercício que nem sempre nos damos chances de fazer.
    Então ia considerando algumas coisas pelo caminho, do que via e interpretava, por vezes filmava gravando o que supunha, poderia compor algo um pouco diferente, envolvendo assuntos por mim trabalhados em sala de aula, com a garotada.
    
    Lá na frente se via o horizonte catarinense, entraria primeiro no nosso estado, para depois cruzar um rio, voltar ara o RS, em Torres.
    A estrada começou a descer. Baixei pra segunda e tirei o pé. Estava advertido que a serra era grande. Nada de asfalto. Valetas e pedras de novo. Valos formados pela força da água, que nas enxurradas, descia veloz a montanha, deixando suas marcas atravessadas na estrada. Por duas vezes achei que meu carro não passaria. Tive que atravessar, passar de lado. Do contrário não ia. Cuidadoso, não tinha intenção de trazer um para-choque quebrado.

     Mas a minha situação era favorável, alguns carros subiam, esses sim iam penar. Se deixar parar, se começar a patinar morro acima complica.
    Encostei atrás de uma carreta carregada de madeira. Um bom motorista descia muito lentamente, numa barulheira de freio motor e ar nas cuícas funcionando juntos. Esse barulho, junto com o ronco do motor, que há algum tempo atrás me atraía particularmente, quase me jogando para a missão complicada e sofrida, de trabalhar no transporte rodoviário no Brasil.

     Passei por ela numa oportunidade. Logo encostei em outra. Fui seguindo uns 5 quilômetros até abrir uma chance de partir pra frente.
     Curvas fechadas. Fortes. É um pouco de aventura, de leve, mas gera uma adrenalina. Faz bem.  
     Mas cuide, não se abobe piá, o perau é grande! Sim, algumas placas alertavam!

    Estão asfaltando a serra. Em alguns anos será outra opção muito procurada, sem dúvida alguma, por motociclistas, ciclistas, ou qualquer pessoa em qualquer condição que procure algo diferente para sair da monotonia do cotidiano. Do lugar comum,  como diz Cícero Paes em seus dois livros.

    Parte da estrada, mais abaixo, já recebeu asfalto, e quando peguei a primeira delas, achei que seria contínuo, passei uma quarta deixando a física agir sobre o motor e o carro ir livre, puxando rédea nas curvas. 
     Não foi duzentos metros e simplesmente acabou. Só o que faltava! Grudei firme o volante e sabendo que o carro me favorecia com ABS, empurrei o pé no freio nos últimos metros de asfalto, foi o suficiente pra jogar um monte de coisas pro chão. Veio umas 4 palavras mal educadas de novo.

     Nenhuma placa me advertiu, ou eu não vi. Isso se repetiu mais umas 5 vezes até pegar asfalto contínuo, já próximo de Mampituba.
     Em pouco estava na 101, logo em Passo de Torres, SC, e depois de passar uma ponte, Torres, RS. Chuva, chuva bem forte, um daqueles temporais. Era umas 19 horas. Ruas alagadas em algumas partes.
     Não tinha referência nenhuma de local pra ficar, então procurei na hora e só encontrei vaga na 5ª opção. Um hotel simples, mas limpo, onde passei a noite pelo valor de 70 reais. A dona queria 100, considerando que estava sozinho e só ia dormir, baixou o valor simpaticamente.
      Muitos argentinos. A cidade estava cheia deles. Outras pessoas de locais diferentes do RS e até de SC.
     Acomodei minhas coisas e saí para andar um pouco. A chuva tinha acabado. Noite já. Estava com fome. Parei num local bem no centro numa espécie de galeria. Ótimo lanche.
    
    Quando fui pagar, acabei conversando um pouco com a moça do caixa. Um senhor estava ao seu lado. Também acabou participando da conversa. Era o pai dela, os proprietários da lanchonete. Pessoas simpáticas, atenciosas. Elogiei o lanche, perguntei sobre as falésias. Ah, sim, é aqui perto disseram, vais gostar muito, é muito bonito. Logo quiseram saber quem eu era e de onde vinha.
    Acharam interessante o fato de eu ser professor, estar sozinho, e ter percorrido já tantos quilômetros para ver esse tipo de coisa.
    Ali fiquei uma meia hora conversando. O senhor de uns 50 anos mais ou menos, demonstrou muita preocupação com o estado gaúcho. Vocês estão bem, em SC é bom, disse ele. Não sei onde vai parar isso aqui, imposto aumentando, governo sem dinheiro, funcionário sem receber, a violência “comendo solta”. Me mostrou até a casa dele, através do monitoramento que faz via computador.
    Gente boa. Me despedi e fui para o hotel. Lá já tinha em mãos um mapa turístico sobre a cidade. Tracei meu destino para o dia seguinte.

     Não era sete horas da manhã eu saí. Não me ofereceram café. A cidade ainda muito calma. Tempo bom. Bem fresquinho pela manhã. A imagem das falésias. Eu tinha que ver!
    Fui guiando bem devagar por ruas vazias. Me aproximando do mar. Logo encontrei uma padaria aberta, encostei pra tomar um café. Fui servido logo. Um casal era o dono. Como não tinha ninguém ainda, puxei conversa.
    Não demorou estavam me explicando, que por conhecimento local, Torres recebia esse nome por causa das três elevações que existem ali, o morro do farol e os outros dois, os morros onde estão as falésias.
   Os colonizadores disseram, quando chegaram pelo mar, viram essas 3 torres lá da costa. Deram o nome para o local. Depois de algum tempo aboliram o 3, ficando apenas Torres. Interessante, aprendi mais uma coisa.

    A paisagem principal fica no parque da guarita. Como coloquei meu carro cedo demais na portaria, me mandaram voltar. Só abre às 8:30, um rapaz meio estúpido só fez um sinal pra eu dar ré apontando para o seu relógio e para uma placa na parede. 
    Respeitei é óbvio e voltei um pouco. Encostei. Dava pra ver o mar dali, a areia da praia, bem pertinho. Vou até lá andar um pouco.
    Antes fui ao porta-malas, peguei uma maçã. Sim, ainda tinha e estavam boas!
   Quando tranquei o carro -  bom dia moço!
   Olhei para o lado, um senhor simpático puxou assunto. Bom dia respondi. Pronto, não fui caminhar, não comi a maçã por achar que não seria de boa educação na frente dele, enquanto conversávamos.
   Uma pessoa muito bem educada, 65 anos. Estava ali fazia uma semana, com a família. Alugaram uma casa para o veraneio. Vinham de Santa Maria, por onde passei, coração gaúcho.

    Gosto em particular de conversar com pessoas mais velhas, com qualquer uma aliás, que tenha conversa boa, de conteúdo, não necessariamente apenas papo sério! Mas no caso dos idosos, volta e meia sai umas histórias, geralmente com algum tipo de ensinamento.
    Era outro cidadão extremamente descontente com os rumos do seu estado. Em especial pelo descontrole com a questão da violência, criminalidade, me destacou. Contou algumas coisas que acontecera com ele em Santa Maria, cidade menor que a capital. Soube de sua família, de sua vida. 
    Contei algo sobre a minha também. Um papo agradável ali na beira da estrada. Marceneiro, gente finíssima. Ficou contente ao saber que eu era professor, disse que tinha uma filha formada também nessa área. Me despedi dele em seguida, pois a entrada para o parque já fazia uns 10 minutos tinha sido aberta, tinha objetivo certo.
    
    Não demorou eu estava sobre elas! As falésias. Nada substitui o olho humano, nossa visão ao vivo. Nem as melhores lentes nas mãos dos profissionais.
Aqueles paredões rochosos, fazem imponência frente às águas do mar, insistentes em golpes milenares açoitando suas bases.

     Outra formação típica de litorais. Possuem milhares de anos. Formadas lentamente perante um conjunto de fatores. São os agentes modeladores do relevo, das paisagens. Assunto estudado pelos jovens no fundamental. Geografia, história, ciências, biologia também...
    Esses processos o conhecimento geográfico denominou de Abrasão Marinha. Nada mais que o efeito da água sobre a superfície rochosa. O vento e a água da chuva, assim como o frio e o calor, completam a ação dos agentes externos. 

    Em alguns casos, as rochas podem apresentar até fragmentos vulcânicos. Aí você fica pensando... a natureza está aqui há milhões de anos. O que somos nós numa breve existência de menos de 100 anos perante ela? Me refiro à nossa vida biológica. Normalmente encerrada na faixa dos 80 anos, em média.
    Muitas pessoas já chegavam ao local. Caminhei pelas trilhas, subi e desci as falésias. Encontrei sobre uma delas, um cão, na verdade dois. Mas um deles me causou curiosidade, sobre a maneira que estava. Sentado, observando o mar, como se estivesse ali meio encantado como eu, com aquela paisagem que nunca vira antes.

     Várias pessoas querendo registrar passagem. Todas animadas e dispostas. Contentes!
     Lembro de tudo o que li, em pouco tempo, de Augusto Cury, mexeu tanto com minha maneira de pensar que assim como ele, olhei aquelas pessoas todas, subindo e descendo. Cada uma com sua história. Quem sabe querendo deixar um certo peso pelo caminho, talvez jogar naquelas encostas de pedras afiadas, para não mais voltarem, os desprazeres, a angústia, decepções e mágoas. Cada uma com seus sonhos e suas vontades. Quantas não estariam ali como eu, talvez realizando um pequeno e modesto sonho, de simplesmente estar ali. Estar ali! Completamente diferente de ver uma imagem num livro ou computador.

      Uma janela linda, que abre espaço para cada um ver à sua maneira. E contemplar!...
     
    Acho que está bom, pensei depois de mais de uma hora e meia no local. Tomava um suco de laranja no final da caminhada. É o suficiente.

     Meu objetivo agora é seguir para São Francisco do Sul. Cruzando praticamente toda a extensão do litoral catarinense, pela BR 101. Parti.
    No mesmo dia, eu teria a chance de ver o Museu do mar, e dormir mais tarde na casa da minha tia, em Blumenau.
CONTINUAÇÃO, parte VII.