sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Viajar para aprender, parte V - Itaimbezinho, APARADOS DA SERRA



     Não lembro mais que horas eram, mas creio que eu voltava já próximo ao meio dia do mirante da rocinha, não havia comido nada pela manhã em função do quase exagero na noite anterior.
     O retorno não fora diferente nas condições do caminho. Somente bem depois descobri que poderia ter encurtado um bom trecho se pegasse mais 28 quilômetros de estradas de chão até Cambará. Mas ressabiado, creio que não iria apostar em condições melhores. Preferi dar um alívio para a suspensão do carro e para minha coluna pegando trecho maior de asfalto. Por pouco tempo seria, mas valeu o descanso.

     Parei numa sombra, o sol brilhando. Fui pra caixa de isopor e assaltei duas maçãs e mais duas bananas, nem lembrava de um pacotinho de amendoim, veio ele também. Tinha água à vontade e desse jeito voltei almoçando sem me preocupar com o horário.
     Eu tinha uma informação errada. Achava que o cânion do Itaimbezinho pertencia ao município catarinense de Praia Grande. Equivocado, eu só descobri lá, que na verdade ele é gaúcho, embora sejam as bordas a linha divisória, abrindo espaço para essas duas cidades terem leque de atrações turísticas no entorno dele. O Parque Nacional Aparados da Serra, na parte de cima, porém, fica dentro dos limites de Cambará do Sul, RS.

     Rodei um bom trecho por asfalto, olhei a hora depois de um tempo, já passava das 14. Faltava uma boa parte do trajeto e como tinha condições, abri mais petróleo para os 3 pistões trabalharem mais rápido.
     Em menos tempo do que imaginava, uma grande placa em direção à Praia Grande me mandou entrar dessa vez à esquerda, se quisesse mesmo ir ao cânion. Obedeci.
    Mais uns 14 quilômetros e fui deslocado para estrada de chão. Pedi referência aos satélites. Restavam ainda 15 mil metros até meu destino. À essa altura eu já estava cortando outras fazendas, estradas de roça literalmente, bem estreitas, mais ou menos no estilo daquelas que peguei pela manhã.
 Tá mas e as fotos da estrada assim tão ruins? Bom, a gente fica tão tenso e concentrado que pouco pensa em parar pra fazer foto. Em alguns trechos filmei, então aparece em parte nos vídeos.

     Um carro sedã mais luxuoso seguia na minha frente, tinha o mesmo interesse que o meu. Até chegar em um rio. Água vermelho escura, barrenta depois da trovoada. Subiu muito durante a noite, passou por cima da ponte, mas já havia descido, deixando um acúmulo considerável sobre ela, num desnível entre a cabeceira e a continuação da estrada. Era um  honda city muito bonito, parecia novinho. Parou me abrindo passagem.
     Olhei a ponte, comparei com a estrada. Vi que para frente ela estava bem molhada, pelos pneus que já haviam cruzado a água e deixavam ela escorrer no barro adiante. 

    “Carquemo”, disse depois de alguns segundos. Lembrei dessa expressão que usávamos nas andanças de bike, eu e meus amigos, dois deles já falecidos! Se foram cheios de sonhos! Novos!...

     Embiquei o carro e fui numa primeira bem firme. Estava rasa. Era só impressão de que não passava. Assim desembestou o carro prata atrás de mim.
     Logo caí numa geral, mais larga permitiu uma terceira no máximo, rebaixando logo depois de alguns pulos. Malditas pedras altas, as menores redondas e soltas também.
     Passava das 15 horas. Cheguei numa espécie de guarita. Fui abordado por uma mulher. 
    Moço, não estamos cobrando entrada, mas se quiseres na volta, deixar alguma doação, será bem vinda para a manutenção do parque.
   Tudo bem, respondi, deixo sim. E deixei mais do que pensava, depois de conversar com uma outra mulher monitora.
     Um estacionamento quase cheio me mostrou um lugar muito visitado. Passei olhando as placas, gente de vários estados, SP, RJ, MG, PR, SC e RS.  Carros grandes e pequenos como o meu, jeeps, camionetas, motos. Quem sabe um dia me atrevo a pilotar uma.

     Sol quente, já estou acostumado a não esquecer que preciso de protetor. Me ajeitei, coloquei meu boné, peguei a câmera e o celular. Em pouco estava na sede percorrendo a trilha do vértice. Antes passei por duas pessoas que recebiam os visitantes.
    Simpáticos, uma mulher e um homem, disseram que eu poderia estar à vontade, mas não teria autorização para descer a trilha do cotovelo, pois fechava às 15. Eram 15:30. Está bem eu disse, sabendo que essa seria muito interessante e a mais procurada. Teria chegado antes se imaginasse. Só soube disso ali.

     Logo percorri as bordas, uma parte delas. Alguns mirantes te colocavam de frente com os paredões. Novamente as andorinhas, o barulho da água, aquele vale em forma de V, profundo, indo lá embaixo. Garganta aberta ele tinha, nenhuma nuvem. Acima uma trovoada de verão já tinha se anunciado com um trovão. Muito quente. Bastante gente na trilha.

     Os cânions são formações naturais, encontrados em boa parte do mundo. O mais famoso fica nos EUA. Sei que chegarei lá um dia para vê-lo, o Grand Canyon. Milenares formações. Paisagem curiosa do nosso relevo. Moldada por agentes naturais endógenos e exógenos. Esse soerguimento da crosta. Misterioso e lindo.

     Água na parte externa é um dos agentes modeladores. "Tanto bate até que fura". É por aí. Ela abre caminhos entre as rochas, vai diluindo aos pouquinhos, moldando. Algo interno contribui. A pressão e o movimento das placas tectônicas, empurram as rochas, dando uma configuração variadíssima nas paisagens, formando montanhas, abrindo espaço para cânions, depressões e as impressionantes cordilheiras, os temidos, mas não menos atraentes vulcões.
    
     A história foi minha primeira formação superior. Mas a geografia me conquistou! Junto sempre as duas, e não me vejo em outra atividade profissional, embora tenha tentado com pouco êxito, uma outra atividade.
    Uma chuvarada rápida começou a cair. Escondi minha câmera debaixo da camisa e me abriguei sob as árvores, menos de 5 minutos, sol de novo.
    Andei mais um pouco. Cheguei perto da sede, num local bonito, cheio de árvores e sombra. Alguns puxavam de lanches e água retirados de mochilas. Voltavam da trilha maior certamente. Uns em pé e outros procuravam uma das mesas com bancos que não estivessem podres. Uma imagem interessante, registrei pois isso devolve pra gente a consciência de que tudo está, nada é. Faz parte da vida.
Por outro lado, notei certo abandono.

    
    Tomei uma água e fui voltando, vi o suficiente ali. Já perto da saída ao estacionamento, uma pequena estradinha descia e uma ponte cruzava o rio da cachoeira grande. Uma monitora do parque gritava: gente, não pode passar, voltem, essa trilha fecha às 3 horas, não pode ir! Já disse antes, não pode ir!
     Parei, esperei ela olhar pra mim. 
    Boa tarde moça, o jeitinho brasileiro não é? Sim, disse ela, olha... Disseram que só iam até na ponte, já estão cruzando e dois sumiram pela trilha.
    
    Que coisa, como pode em geral o brasileiro ter essa cultura de querer fazer o que já não pode mais. É o jeitinho de levar vantagem, de querer se dar bem de qualquer forma, não importa se não é permitido. Querem fazer do mesmo jeito. Nos falta a cultura europeia, japonesa ou estadunidense. Não pode, pronto. Não se questiona, se respeita.
     Acabamos conversando um pouco. Ela estava desanimada. Perguntei sobre o parque.
    Moço, tu só pôde entrar aqui hoje porque nós formamos um grupo de voluntários e abrimos o parque, cuidamos e recebemos as pessoas. Indaguei curioso sobre os motivos.
    Me respondeu que o governo federal, em outubro de 2016, mandou fechar tudo. Demitiu os funcionários terceirizados. Era pra fechar o parque. Fiquei espantado.
    É, eu ganhei a conta e meu marido que era guia aqui também. Então formamos um grupo, conseguimos liberação para abrir de forma voluntária. Daí pedimos uma contribuição espontânea dos visitantes, para manter sabe, senão estava fechado, não poderia entrar.
    Saí de lá meio triste por saber disso. Deixei com satisfação dez reais na portaria. Voltava pensativo. 
     Por que fazem isso? O que leva pessoas que ocupam cargos públicos principalmente, a quererem ser deuses do dinheiro. Se regozijam na ostentação do ter. Roubam, desviam, outros puxam o saco para poder fazer a mesma coisa assim que puderem.
     O que teriam eles para falar eu penso! O que teriam para falar de educativo, de bom, que história poderão um dia contar para os seus, se o que ocupa suas cabeças são as tramoias, as falcatruas os conchavos interesseiros, o luxo desmedido. 

     Lindo e rico país nós temos. Invejado pelo mundo. Mas no geral, pobre em ética administrativa.
    Desse jeito saí do parque. Iria logo tomar mais pancada descendo ao litoral para dormir em Torres, RS. 
     Anos querendo ver as falésias. Conseguiria na manhã seguinte!

Continuação, parte VI, falésias em Torres.

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