quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Viajar para aprender, parte IV - Mirante da Rocinha, Ausentes RS



     Acordei bem disposto. Não saí muito cedo, como faço de costume. Esperei o horário de atendimento do centro de informações turísticas. Enquanto isso, tomei apenas um café na lanchonete do posto. Queria descobrir algo que me intrigava sobre a cidade.
     Logo uma moça me servia uma xícara de café bem quente, que já ia muito bem na temperatura de 17 graus, que fazia pela manhã.
    Moça, me explique uma coisa se souber. Por que essa cidade tem esse nome?
   Estranhou a pergunta. Quem sabe somente sua professora (ou professor) havia lhe feito isso em algum momento na escola.

   Bem, ela disse, pelo que eu lembro, que aprendi na escola, é por causa das pessoas que no passado não permaneciam no lugar por causa do frio, daí iam embora, e o governo teve que fazer novos leilões de terra. São José é o padroeiro, e sorriu dizendo que eu poderia perguntar mais sobre isso lá em cima, no local de informações turísticas. Minha primeira parada do dia.

    Próximo à rodovia, no acesso para a cidade, está uma construção diferente, bem interessante, de madeira estilo rústico. Dois jovens me receberam observados de longe por uma senhora de mais idade. Julguei fossem estagiários iniciando atividades ali. Se atrapalharam um pouco pois um queria falar e o outro também, um rapaz e uma moça.
    Fiz à eles a mesma pergunta, depois de me apresentar e dizer o que fazia por ali.
   Sim, disse a moça, muitos perguntam isso, pois a palavra "ausente" causa muita curiosidade. E foi me repetindo a mesma coisa. A questão do frio, que prejudicava a permanência das pessoas ali, indo embora após algum tempo. Me explicou que o governo teve que redistribuir terras algumas vezes por isso, sendo dificultoso o povoamento fixo no lugar. Passou para minhas mãos um folheto informativo, onde no verso um resumo feito por um historiador local, passava alguns detalhes a mais.

  Questionou-me agora: mas onde tu pretendes ir? Preciso de algumas sugestões, devolvi. Fui ao Monte Negro ontem. Empolgada, pegou um folder. Olha tem isso tudo aqui bem legal de visitar. 
    Mas era um monte de lugares, cachoeiras, outros cânions, mirantes.
   Esse mirante aí, da rocinha, vale a pena? Sim, muito! É um lugar lindo, fazem voo livre por lá. Olhou para o rapaz. Tu sabe se a estrada lá está liberada? Não sei disse ele, tinham interditado uma parte para passar asfalto de Timbé do Sul. Tem uma placa grande que diz que está interditada, mas tu chega ali e vai assim mesmo, dá pra passar.
   Bom, pensei rápido. Pior do que ontem lá dentro da fazenda não deve ser. Vai nessa... nem parece que tu foi acordado com chuva durante a noite rapaz! Teria a resposta bem rápido.
  Pessoas muito simpáticas na cidade. Gostei muito. Olhei o texto do historiador atrás do folder. Aquela história clássica, um pouco chata de ler. Onde pude acrescentar algo àquelas justificativas do nome.
   Acabava se relacionando tudo. Parece que as primeiras incursões por ali, aconteceram com os jesuítas no século XVIII, de fato. Nessa época empreendiam aldeamentos e catequização pelos sete povos das missões, envolvendo terras gaúchas, um pouco distantes dali, mas sem dúvida, convivendo com os guaranis, certamente os acompanhavam em caminhadas, deslocamentos para longe!
   Resumidamente, a atividade tropeira, importantíssima para o desenvolvimento econômico e povoamento de boa parte do interior gaúcho, catarinense e paranaense, contribuiu também, para iniciar uma ocupação por parte de um tropeiro. Fixou estada. Mas depois de um tempo, abandonou o lugar para se estabelecer em um outro. Sem motivo registrado.

    Pouco mais tarde, outros se estabeleceram, adquiriram terras, formaram fazendas. Mas não muitos. E quando faleceram, não haviam deixado herdeiros. Ou seja, as terras não tinham ninguém mais. O governo, por assim ser, tomou novamente posse das áreas em função dos AUSENTES, para posteriormente as redistribuir à novos proprietários. Novamente não se registra o  motivo de esses herdeiros não terem existido. Subentende-se por opinião comum, que a elevação do lugar, e o título de região mais fria do estado gaúcho, atormentava os moradores em época de inverno, que tendo poucos recursos, demoravam em estabelecer de fato uma moradia fixa. Compreendi então, que isso tudo acaba justificando o topônimo do lugar, conhecido também como “recanto da serração”. São José dos Ausentes, “o padroeiro daqueles que não estavam, dos ausentes”, fiz essa analogia também.
   A cidade se emancipou politicamente em 1992. Pequena, possui pouco mais de 3 mil habitantes, dedicados ao cultivo de batatas, maçã, reflorestamento e pecuária.

   Os atrativos resumidos no folder me animaram a permanecer mais no lugar. Mas repensei. Havia muita coisa ainda que eu queria fazer na semana. Vou voltar outro dia, com certeza. Parti dali em direção ao mirante da rocinha. Para receber nova carga de solavancos e os espantos com as mais variadas paisagens pelas curvas e colinas...
   O sol colocava uma luz especial sobre aquela manhã. Os campos ainda com certa humidade, cercados por muitas taipas de pedra. Há quanto tempo e por quem ali empilhadas eu ia pensando. 
   Uma e outra casa, algumas bem bonitas, modernas, outras nem tanto, mas de fato num lugar desses, qualquer construção que seja, fica particularmente bonita.
   Nesse ponto eu já havia cruzado umas 5 poças gigantes na estrada, quase lagoas pelo acúmulo de água. Rasas, mas dentro alguns buracos, dando boas chacoalhadas no veículo e lançando o motorista de um lado pra outro, mesmo em primeira marcha. É, primeira. 

   Já estava informado pelos satélites, eram mais 30 quilômetros ida e volta. Comecei animado achando que poderia desenvolver numa quarta ou terceira. O destino riu. Não passei da segunda.
    E não dava. Naquela situação de estrada que encontrei, não tinha condições nenhuma de maltratar o carro, pois a surra seria tanta, que ele iria arriar. Não tenho a menor dúvida. Junto comigo e meu bolso.
    Estava contente, não tinha pressa, tinha o dia todo pela frente! Me deixei seguir calmamente. Vidros baixos. Aquele ar de serra. Nada de som por favor! Se deixe ouvir o som da natureza, centenas de pássaros! Por vezes o silêncio! Tão importante que é. Que boa escolha eu fiz pensei, que boa escolha!

    Algumas subidas me aguardavam, com lama já um pouco grudentas pelo sol que aquecia. Exigiu alguma prática em controle de embreagem e aceleração. Cuidado que o motorista deve ter, para não cortar pneu, não deixar o carro patinar, procurar o local com melhor aderência e pedras mais secas onde a borracha pudesse grudar. Acredite quem quiser, mas pedras grandinhas, quase tinham que ser “escaladas”. Lembrei de um troller ou uma bandeirante, estava na terra deles, dos 4x4, aquele carrinho branco metido. Eu ia pensando, daqui a pouco eu fico. Terei que fazer a volta e retornar. Fui teimando. Quero chegar lá. Meu carro mal sabia por onde eu o colocaria ainda.
   Com o sol a lama foi enxugando, mas deixando as pedras lavadas, soltas sobre a estrada, depois da enxurrada na noite.
    Passei por uma pousada e me fiz um convite pra voltar ali, talvez com alguns amigos, trazer o meu filho. Vale das trutas. Olhei de cima, eu estava ao lado de uma cachoeira. Dava pra ver lá em baixo os chalés em meio a um entorno verde forte, as florestas negras de araucárias e os pastos verde claro dos campos. Que tranquilidade eu pensei! Vou voltar num outro dia para quem sabe um final de semana.
 

    Fui tocando em primeira e segunda. Tanto buraco, pedra, uma ou outra pancada mais forte, aos poucos foi maltratando minha coluna, comecei a sentir uma dor lombar na volta. Nada forte, mas incomodava. Até agora não passou bem.
    E cheguei!
  Outra placa grande, indicava novamente à direita, Mirante da Rocinha e divisa entre RS e SC. Estava bem ali em cima, junto com torres e antenas, a rampa de voo, Timbé do Sul logo abaixo, e quando reparei, olhei ao horizonte, o mar! Litoral catarinense.
  Que coisa bonita. Uau! Falei outra vez. 
 Jamais se tem essa sensação dentro de selvas de concreto. Tampouco amontoado na disputa de espaço por uns metros de areia na praia em dias à fio.

     Sozinho. Me apoiei no meu carro. Um sentimento bom invadiu meu corpo. Novamente contornado pelo verde, a borda das montanhas, os pássaros – também umas butucas chatas – e o vento.

     Uma estrada de chão descia pela encosta até embaixo. Pensei em passar por ali sentido litoral, mas desisti porque antes iria ao cânion Itaimbezinho, em Cambará do Sul, ainda no RS. Somente de lá, desceria a crista da serra em direção ao mar. Sem imaginar ainda o que me esperava.

    Andei por ali. Fiquei um pouco. Não há como tu não lembrar de Deus num momento desses. Ninguém me acompanhava, então conversava comigo mesmo, ouvindo meus pensamentos.
   Um grito tentou sair de dentro de mim, como se quisesse rasgar minha garganta. Não conseguiu, encontrou um nó. Voltou sufocado.
   Talvez um dia ele saia para eu descobrir sua pronúncia. Talvez um dia!...


Aos Aparados da Serra, Cânion Itaimbezinho – parte V.

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