domingo, 29 de janeiro de 2017

Viajar para aprender - parte final - Roteiro de Cicloturismo Vale Europeu



     Não eram 9 da manhã eu estava cortando caminhos pelo interior de Blumenau até Pomerode. Meu objetivo era percorrer uma boa parte da rota do Cicloturismo Vale Europeu. Para conhecer apenas, pois estava de carro. Ia no sentido inverso, ficando um pouco difícil de eu me guiar pelas sinalizações que existem no caminho. Orientam os ciclistas que buscam algo diferente, pelos 300 quilômetros entorno de vários municípios do Vale, subindo e descendo serras, margeando rios, vislumbrando arquitetura antiga colonial, lagos e represas... A rota toda, de bicicleta, leva sete dias para ser percorrida. Com paradas estratégicas.

     Era um sábado, chuviscava. Em Pomerode, no centro de informações turísticas, colocaram em minhas mãos um folder informativo sobre a rota, com um mapa. Eu sabia que na verdade a rota inicia em Timbó. Pomerode seria o início pra mim e só depois cruzaria Timbó.
Casa do imigrante Carl Weege, Pomerode.

     Recebi alguma orientação de como pegar os caminhos pelo interior, fugindo geralmente das rodovias que interligam essas cidades.
     Na verdade eu já conhecia uma parte do trajeto de passeios anteriores. E para nós que somos da região, a paisagem em termos de colônia é bem conhecida. Mas há muita coisa bonita que se vê pelo caminho. As montanhas, os vales e rios. Casas antigas isoladas, meio abandonadas com madeiras ressecadas pelo sol de décadas! Formam junto às pastagens com velhas árvores testemunhas, algo bonito de se ver!
Em algum momento pelo caminho

     Bastante arquitetura enxaimel, marca da cultura alemã. Bastante registro da cultura italiana também. As duas predominantes em todo o sul do Brasil.
     Subi muito em direção aos lagos em Altos Cedros, já em terras do município de Rio dos Cedros. Parte alta da região, na casa dos 600 a 700 metros de altitude. Muito bonito!
     Quando me impressionei com a visão, mesmo em dia nublado, parei. Saí do carro para fazer umas fotos e alguns pingos maiores de chuva me apressaram.

     Quando voltei para entrar no carro, notei a aproximação de um senhor já bem idoso, vinha de sua linda casa logo ao lado da estrada.
     Cumprimentei acenando com a mão. Ele vinha em minha direção.
     Bom dia jovem! E esperou que eu falasse algo.
     Bom dia! Que bonita essa região, o senhor mora aqui?
    Sim, me apontou a casa, passo férias! Você está no centro de Altos Cedros, ele me disse. Explicou que todo aquele lago bonito fazia parte de uma represa que acumulava água para geração de eletricidade, distribuída na região.
    Muitas casas bonitas, paisagem realmente de encher os olhos. Gente que mora, mas poucos. A maioria construiu essas casas para buscar o descanso na montanha, o silêncio, a natureza.

     Fomos conversando na garoa mesmo. Descobri que estava falando com um pastor evangélico aposentado, de 85 anos de idade! Trabalhou por décadas em Timbó disse ele! Quis saber sobre minha descendência. Quando falei afirmou conhecer algumas pessoas com o meu sobrenome, provavelmente parentes próximos.
    Comentei com ele minha intenção de chegar em Doutor Pedrinho.

     Olha - desviou olhar para o meu automóvel - não sei se tu passa num dia como hoje! Mas é indo em frente. Segue por essa estrada, vai indo. Você chegará numa encruzilhada onde existe uma pedra branca. Lá pegue à esquerda, vai sair no seu destino. Pedra branca? Pensei comigo...
     Mal acabou de falar e a chuva apertou. Nos despedimos e embarquei. Teria ficado mais ali. Certamente um ser humano que muito tem a contribuir com seus diálogos.

     Toquei em frente, mas estava um pouco longe ainda. Na verdade não tinha prestado bem atenção quando o pastor falou sobre “não sei se tu passa”...
     Logo cheguei numa vila, parei ao lado de um bar verde onde dois homens estavam encostados tomando uma cerveja.
    Cumprimentei e pedi se podiam me ajudar com uma informação. Após me confirmarem as coordenadas, um deles olhou meu carrinho e fez eu ficar meio cabreiro.
      Se eles acabaram de colocar macadame (cascalho) tu passa, mas hoje nesse molhado!...
Passa, passa, disse o outro homem.
Pelo sim pelo não, “carquei”.

     Fui subindo, cheguei na pedra branca, caí para a esquerda e acabaram os atrativos na paisagem. Me encontrava na rota certa, era por ali mesmo, já havia encontrado alguns ciclistas que desciam. Mas eu estava em estrada estreita, bem molhada, em meio ao mato. Mato fechado, intercalado com plantações de eucalipto e pinus.
     Vez por outra não tinha cascalho, comecei a encontrar bastante lama, mas rasa, estrada firme. Passei bem perto de penhascos novamente. Não se ouvia nada além de pássaros, uma araponga insistente, o barulho da chuva  e um vento leve. Não sei que horas eram e não tinha fome também.
Há alguns quilômetros não via casa nenhuma, só mato. Vez por outra um ciclista. Mas há um bom tempo eles não passavam mais.

     É tão longe assim?  Me perguntei. A lama aumentando. Depois de uma descida apareceu um riacho para cruzar, nada de ponte. Era por dentro mesmo. Raso, mas  a água já corria rápido com a chuva.
     Nesse momento comecei a ficar um pouco preocupado, pois se a chuva aumentasse e tivesse mais riacho para cruzar, algum deles poderia ter água à mais e eu não conseguir passar. Nisso deu um trovão, escureceu o céu e debulhou água.
    Devo ter ficado meio arregalado. Toquei um pouco mais rápido quando podia, já estava ficando com medo de permanecer trancado por ali em função das estradas. Mas em nenhum momento me arrependi. Era isso que estava procurando e não havia nada a reclamar.

     Sobe de novo, mais pressão nos cilindros do motorzinho. Não imaginava que bem no final desse meu passeio de uma semana, estaria o trecho que iria colocar maior proximidade de uma "aventura". 
    Desci avistando lá na frente algo complicado. Vi um trecho de uns 20 metros bem feio. Poças grandes, barro acumulado, rastros fundos de quem já tinha passado ali meio apurado. Parei. E agora?
Agora deu, percorreu um frio na barriga. O motor na lenta esperava. "E agora piá véio"?...

     Em segundos decidi, não tinha o que fazer e voltar eu não ia. Queria terminar o trecho e só voltaria se fosse obrigado. Teimei.
     Engatei a primeira, procurei a melhor posição para o carro, cutuquei o motor em rotação alta e fui, cuidando para ele não sair pra lateral, não se atravessar, se amarrou... baixou rotação, queria apanhar, larguei o pé no fundo, apertei mais o motor e voava barro pra todo lado. Quis sair do trilho, se jogar pra lateral esquece. Não para eu dizia, se parar acabou. Foi, foi, foi indo, nas últimas eu passei. Caramba! Show! Tá valendo, vamos em frente! Preciso de um jipe.

     Chuva forte, passei uma poça enorme de água, foi lavando o barro. Achei que seria isso.
Não deu um quilômetro outro rio. Dessa vez com mais água! Acho que devo ter ficado branco. E não tinha ninguém por perto. Calculei mais ou menos, julguei ser raso, mas a água estava suja.
     Primeira de novo e pé no bucho. Se ficar dentro do rio é um abraço pro gaiteiro. Não acreditei estar fazendo isso com um carro simples de rua. Embiquei e fui. Acertei, era raso. Depois de umas chacoalhadas estava fora. Poderia ter me custado caro, mas eu estava arriscando.
    Meus batimentos acelerados. Agora eu estava realmente com medo de ter entrado numa má escolha. Era tarde pra pensar nisso! É pra frente nego!
     
     Por sorte rios não tinha mais, somente alguns trechos de barro que passei meio de lado novamente.
    Depois de um reflorestamento, encontrei um grupo de 5 ciclistas. Estavam vindo devagar, andando. Mortos de cansados. Parei e conversamos um pouco. À essa altura a estrada já estava um asfalto!
Lá na frente os ciclistas
      Disseram que eu já estava perto da estrada geral. Mas em obras, tinha locais complicados com a chuva. 
     Então se preparem coloquei. Não sei como passei vindo daqui agora!
     Um homem e 4 garotas faziam o roteiro. Ele de São Paulo, uma mulher que deveria ser sua esposa também. Uma de RJ, e pelo que lembro outra de Niterói. Nos despedimos.
    Em mais uns 40 minutos eu estava no centro de Doutor Pedrinho, tendo passado por estrada em obras de asfaltamento, mas firme, então ia bem.
    Passei, mas que deu um medo de ficar encalhado deu.

     Logo seguia rumo Benedito Novo. As paisagens se repetiam surgindo uma ou outra coisa nova pelo caminho. Cruzei Timbó e vim por dentro até Rodeio, um caminho já conhecido.
    Era o fim de uma semana que pude me proporcionar. De algo diferente, que gosto de fazer. Logo chegaria em casa contente.
     
     Foram 2500 quilômetros. Muitas coisas aprendi, pude ver, e isso você não esquece mais.
    Naturalmente nem tudo é como tu imagina, como fora minha noite em Porto Alegre. Mas faz parte! Por outro lado, outras coisas podem ser mais do que a expectativa!

São momentos que valem muito a pena viver, para expandir nossos horizontes!

Um comentário:

Adriana disse...

Adoro acompanhar essas viagens...
Que pena que não tem novas postagens.